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Teatro e Ritual

Ritual é interpretação e interpretação é teatro. Renato Gomes Machado

Teatro e ritual parecem duas coisas que não combinam ou que são até contrárias uma à outra. Já que quando falamos de teatro, a primeira ideia que vem à mente é “isso não é verdade” ou talvez, “isso é uma mentira já que é uma encenação” e quando falamos de ritual, vem à mente a ideia de algo religioso, sagrado e sendo assim não pode ser “fingido” ou “encenado”, não é mesmo?!

Não é bem assim. Analisando a estrutura de qualquer ritual, independente de religião ou intenção, podemos chegar à conclusão de que ele é uma espécie de teatro, intencionalmente ou não. Quando uma sacerdotisa, um padre ou um mago realiza uma ritualística, ele ou ela se transforma numa espécie de instrumento de uma força invisível, aqui na Terra, naquele momento ritual. E quando falamos “instrumento” podemos entender como atriz/ator, já que a pessoa que está à frente da ritualística e invoca essa força, se torna essa força invisível e passa a dar corpo, voz e matéria para essa força invisível se manifestar aqui no plano terreno. E além disso, um ritual pode ser espontâneo, mas na grande maioria das vezes, não deixa de ser um conjunto de frases pré-definidas juntamente com alguns “passos” marcados, onde o celebrante deseja se conectar com uma força invisível, mas no caso de um grupo, ele também tem como objetivo gerar emoções e sensações em todos que estão participando do rito também. Como disse MACHADO (2013), “Ritual é interpretação e interpretação é teatro”.  E quando essa interpretação é bem realizada, ela garante que o “espectador” se conecte com o que está sendo ritualizado. 

Representação contemporânea de uma peça teatral grega. Na foto, coreutas (participantes do coro) fazem sua intervenção no drama. Fonte: https://ensinarhistoria.com.br/teatro-grego-mascaras-para-recortar-e-colorir/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues

É claro que em cada religião, essa teatralização acontecerá de forma diferente. Na Umbanda e Candomblé, por exemplo, há uma incorporação do médium pela entidade ou orixá, e essa força passa a “vestir” aquele corpo. Na bruxaria, a sacerdotisa e o sacerdote invocam, trazem para dentro de si, a força da Deusa e do Deus e assim eles se transformam na representação dessas forças aqui na Terra. Sim, pode haver incorporação na Bruxaria também, mas isso é um assunto para um outro texto.

 Além disso, o próprio teatro também pode ser visto como algo sagrado. Segundo MACHADO (2013), o teatro é uma forma muito rica e das mais primitivas de ensinar a crer. A crer no invisível, naquilo que não é tangível. Mas não só isso, o teatro faz com que experimentemos a emoção, assim como o contato com o sagrado nos proporciona. E o próprio teatro nasce do sagrado. Ele nasce dos primeiros rituais em honra aos deuses, onde as pessoas passam do canto e dança para a utilização de máscaras e a dramatização dos mitos. Pois então, teatro e ritual sempre andaram juntos. Como nos mostra Janaina Iszlaji, em seu artigo para a revista Adversa: “Na Grécia, esse processo tem início com os ditirambos – cantos corais entoados durante os rituais sacrificiais em honra ao deus Dionísio – que, aos poucos, sofrem alterações e assumem uma forma dramática particular.” Vale lembrar aqui, que outras culturas antes da Grécia já utilizavam máscaras e teatralização em seu ritos e já encarnavam suas divindades, como os Egípcios, por exemplo.

E essa linha de raciocínio que traz o teatro e o ritual unidos, já foi alcançada antes das indagações desse texto. A Golden Dawn por exemplo, que foi uma ordem esotérica, utilizou técnicas de teatralização em seus rituais, onde o mago dá materialidade aos deuses que estão sendo invocados. Crowley, em seu Liber O vel Manus et Sagittæ, cita a Assunção de Formas-Deus como a primeira de três práticas que o mago deve ter completo domínio. E hoje essa maneira de ritualizar é bastante conhecida e utilizada pela comunidade ocultista do mundo todo.

Mas o que é essa Assunção de Formas-Deus? É uma técnica onde o magista irá se vestir da divindade que ele escolheu invocar. E isso se dará de forma voluntária e consciente. Ele deverá falar, se movimentar e realmente acreditar que naquele momento ele é a divindade. Para que isso aconteça com sucesso, a capacidade de visualização do magista deve ser muito bem desenvolvida e ele deve conhecer a fundo a divindade escolhida.

E qual o objetivo dessa técnica? Atrair e desenvolver os atributos da divindade em questão no magista que está realizando a técnica ou a realização de determinada tarefa. A fim de realizar uma palestra, por exemplo, o palestrante poderia “vestir-se” como uma deidade que tenha como atributos a eloquência e a comunicação, por exemplo.

Para quem se interessou pela técnica da Assunção de Formas-Deus, sugiro a leitura do Liber O vel Manus et Sagittæ , de Aleister Crowley.

Referências

http://adversa.blog.br/?p=1263

https://caotize.se/texto/assuncao-de-forma-deus/

https://mortesubita.net/alta-magia/assuncao-da-forma-deus/

MACHADO, Renato Gomes. Teatro e Ritualização: Uma questão de evolução para uma Educação Cultural. Universidade de Brasília, Instituto de Artes, 2013.

RICIERI, Rafael; CASTANHEIRA, Ludmila de Almeida. Artaud, Grotowski, o ritual e o transe – Um teatro de memórias em ação transformadora do corpo.

ALMEIDA, Saulo Vinícius. Rituais, transes e sacralização: experiências místicas em processos de formação de artistas da cena. PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v. 12, n. 26, set-dez. 2022 Disponível em <https://doi.org/ 10.35699/2237-5864.2022.38012

CROWLEY, Aleister. Liber O vel Manus et Sagittæ.

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