As Bruxas de Tessália
O nome de Tessália se perpetuou pelo tempo, principalmente pelas famosas práticas das feiticeiras, sobretudo a de “puxar a Lua para baixo” que consistia no ato proposital de provocar eclipses, tal rito adquiriu tamanha importância que se perpetuou até a atualidade.
Se eu comandar a Lua, ela descerá e se eu desejar reter o dia, a noite permanecer sobre minha cabeça e novamente, se seu quiser embarcar no mar, não preciso de navio, e se desejo voar através do ar, estou livre do meu peso. (Homero – A Odisseia).
As inúmeras obras literárias ainda do primeiro século A.E.C de poetas como Propércio e Virgílio descreviam as práticas majickas de mulheres chamadas de pharmakídes (φαρμακίς), podemos também perceber tais referências nos versos de Platão em Gorgias (380 A.E.C): “Como as Bruxas da Tessália, que, como dizem puxam para baixo a Lua dos céus”, ou de Apuleio, poeta romano do século II, que as descreveu em seu poema que elas eram “capazes de fazer o céu cair, as nascentes secarem e destruir montanhas”. É possível que o fato da região ser isolada no aspecto geográfico e cultural tenha corroborado para a propagação dessas histórias.
Esses primeiros cultos históricos “de atrair a lua” até o terceiro século A.E.C. gozavam de respeito e medo e as suas sacerdotisas eram reverenciadas tanto por pessoas comuns, como por chefes de Estados. No entanto, a partir do quinto séculos A.E.C. os atenienses que estavam no centro cultural do mundo antigo, passaram a ter como costume polarizar a sociedade, tudo que não era grego (nos padrões criados por eles), era bárbaro. Tal visão reflete na imagem da própria bruxa: selvagem, forasteira, periférica, fora dos costumes e tradições para as mentes atenienses. Desta forma, para eles, Tessália era estrangeira, atrasada e isolada. Possuía uma natureza selvagem com florestas abundantes, e muito comparada à Deusa Ártemis, fazendo um paralelo de uma região indominável. Por isso, esta foi uma região à margem do desenvolvimento grego, mesmo sendo de grande importância já que era a passagem entre o país e o continente. Os mesmos versos que imortalizaram as mulheres de Tessália foram também aqueles que reproduziram os estigmas sociais presentes na época e as marginalizaram. Na Antiguidade realizar rituais majickos eram um contraste com as atividades cívicas, ainda mais, quando realizado em privado e a noite, uma vez que, a religião oficial tinha um caráter público, manifestada de forma coletiva e diurna. Visto isso, as Artes místicas praticada por mulheres e estrangeiras categorizaram-se como uma atividade “extramuros”, ou seja, fora dos padrões estabelecidos e limítrofe. No livro Bruxaria E Magia Na Europa – Grécia Antiga E Roma, é dissertado acerca desta questão:
Com a localização política aparece também uma social: o conhecimento religioso legítimo é uma propriedade coletiva de homens no contexto de sua identidade como cidadão. O conhecimento religioso ilegítimo é possivelmente encontrados entre não cidadãos e não homens ou seja mulheres. Em cada caso a presunção é uma consequência da exclusão narrativa dessas categorias de pessoas plenamente filiadas a nossa tradição a noção de conhecimento religioso legítimo é apenas um dos muitos marcados de caminho cuja função é distinguir aqueles que pertencem do que por um motivo ou outro não pertence por razões óbvias nem todos os Forasteiros prescritivamente eram igualmente problemáticos o conhecimento religioso dos escravos normalmente nem era considerado mas tanto os estrangeiros residentes ou não residente que alegavam ter prática religiosa quanto Forasteiros que na verdade nada tinham de Forasteiros ou sejam mulheres eram suspense os homens porque transferiram para cá práticas classificatórias de lá e mulheres por causa da sua abertura biológica para ataque demoníacos e a sua inerente sucessibilidade a falta de raciocínio. (2004, p.189.)
As tradições populares das bruxas da Tessália foram desenvolvidas durante o período da Grécia Clássica, por isso, muitas fontes literárias atestam que a cidade era um refúgio para bruxas, retratando o lugar como um local de prazeres comprados, repleto de bordéis, drogas, venenos, feitiços mágicos e contos de bruxas alcoviteiras.
A antiga literatura greco-romana é rica em histórias de bruxas que preparavam poções mágicas com ervas e pedaços repugnantes de animais. Com os cabelos longos e desgrenhados, andavam descalças e, de acordo com a crença popular, eram vistas em cemitérios desenterrando ossos à meia-noite, colhendo plantas venenosas, realizando premonições por meio de espelhos banhados a sangue, ou então adorando Ártemis, deusa da lua e da caça ou Hekate, deusa da fertilidade e rainha da noite. Dizia-se que algumas eram capazes de conjurar espíritos e matar com um simples olhar. E eram tão poderosas que podiam aproximar a Lua da Terra.
Ainda em Sófocles, para as tessálides, Hekate, era a Lua, da mesma forma que era Enodia quando descia à terra nas encruzilhadas. Mas também, Perséfone quando vem do Hades, e será Ártemis com a sincretização que ligada a lenda de Iolchos tinha domínio sob encantamentos e artes do envenenamento. As feiticeiras monopolizaram essas deusas multiforme como padroeiras, especialmente aquela que levava o nome de Hekate.
Pirenne-Delforge (2012) em sua produção Religion and Society in Ancient Thessaly, aponta a identificação de uma dedicatória a Ártemis, inscrita para Enódia, uma estatueta de mármore de uma figura feminina segurando uma tocha, provavelmente retratando Artemis-Enódia.
Havia uma devoção a determinadas deidades em Tessália, Sófocles afirma à presença da Deusa Hekate já sincretizada, mas, mantendo a sua característica inseparável – a magia – desde seus primórdios. Chamada pelo epíteto Enodia ou “da estrada”, era uma deusa a quem sacrifícios eram feitos uma vez por mês nas encruzilhadas das estradas. O primeiro fragmento de “Os Cortadores de Raízes” (Rhyzotomoi) de Sófocles nos apresenta uma mulher nua invocando a lua que é uma forma de Hekate Enodia (“Hekate dos Caminhos”), junto com Hélios – com o seguinte coro:
Hélio e fogo sagrado, lança de Hécate, a deusa da estrada, que ela carrega quando avança sobre o Olimpo e quando desce às bifurcações sagradas das estradas da terra, coroada de carvalho e com espirais retorcidas de serpentes cruéis.
Era comum trabalhar essa dualidade com os deuses do submundo. Em resumo Hélios e Hekate ambos ligados ao submundo, “libertavam” os homens do mal da morte. É perceptível a ligação de Hekate/Enódia com o Deus Hélio. A Deusa era adorada em Cólquida, terra onde o Deus Sol todas as manhãs iniciava a sua viagem com a sua carruagem solar. Notamos também que durante o rapto de Perséfone, eles são os únicos que escutam o choro da filha de Deméter.

De acordo com Crisóstomo, Enódia era “a deusa nacional de Tessália”, entretanto, embora tenha sido adorada em toda a Tessália, não há evidências, como sugere Crisóstomo, de que ela se tornou uma “deusa nacional”.
Marli Mili (2015) em seu trabalho acadêmico para a Universidade de Oxford defende que deuses como Athenas Polias, Zeus Thaulios, Dionísio, Demeter, Héracles, Themis Agoraia, Héstia e Apolo Kerdoos também eram cultuados e refuta a tese de que a religião da Tessália era predominantemente de caráter ctônico e distinguido pelo culto realizado em funerária-santuários. A autora ainda sustenta a proposição de que a Tessália das bruxas e da magia tem pouco fundamento fora da literatura, já que não há evidência arqueológica ou contextual da existência de covens ou de bruxas.
Entretanto, ratifica que Enódia, era deusa de Tessália por excelência e tem seu retrato matizado em amuletos mágicos ou cavalos. No entanto, ainda há muitos historiadores que se referem as tessálides como cultuadoras da Deusa Hekate, e que as bruxas de Tessália também se identificariam com duas outras bruxas que cultuavam a rainha das encruzilhadas, eram diretamente ligadas à linhagem de Hélio: Circe e Medeia. Estas eram feiticeiras famosas igualmente em virtude dos seus conhecimentos em plantas e as suas aplicações como pharmakídes.
Ainda em seus primórdios como sociedade tribal, os homens tessálios eram os caçadores e as mulheres coletoras de raízes cujas propriedades acabaram por conhecer. As tais mulheres chamadas de pharmakides,eram sobretudo mulheres que dominavam conhecimentos sobre raízes e ervas, e praticavam a pura arte da magia e da medicina, entretanto, as mudanças sociopolíticas e culturais em Atenas as tornaram alvo de difamações e acusações da polis ligada a política e transfigurou essas mulheres em figuras horrendas, marginalizadas e desprivilegiadas que usavam pomadas majickas para se transformarem em corujas. Corroborando mais uma vez para distorção da imagem da bruxa como um adjetivo pejorativo feminino.
Exemplos de Bruxas de Tessália
CRISAME DA TESSÁLIA (Χρυσάμη) foi uma sacerdotisa tessália de Enódia . Ela é famosa por usar ervas para derrotar os jônicos em Erythrae, garantindo a vitória de Cnopo de Codridae na batalha.
PAMPHILE é uma das feiticeiras da Tessália, personagens do romance de Apuleio , Metamorfoses.
ERICHTHO ( Ἐριχθώ ) é uma lendária bruxa e necromante de Tessália. Seu primeiro papel e mais importante foi em Farsália de Lucano.
MEROÉ é uma feiticeira e adivinha, tão poderosa que pode manipular céu, mar e até o Tártaro. Só Meroé e Circe possuem, enquanto feiticeiras, a capacidade de transformar pessoas em animais. Descrita por Apuleio, em sua obra O Asno de Ouro.
AGLAONICE (Ἀγλαονίκη) é citada como a primeira mulher astrônoma da Grécia Antiga. Também foi considerada uma feiticeira pela habilidade de fazer a Lua desaparecer do céu, o que tem sido considerado como a capacidade que tinha de prever quando e onde ocorreria um eclipse lunar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MILI, Maria. Religion and Society in Ancient Thessaly, Oxford, Oxford University Press, Vol. 1, 2015.
OGDEN, D. Bruxaria E Magia Na Europa – Grécia Antiga E Roma. Editora Madras, 2004. PIRENNE-DELFORGE. Vinciane. Religion and Society in Ancient Thessaly. Kernos, 2017.
Syrinx Sycorax