Prostituição Sagrada
É fácil esbarrar na afirmação de que na Grécia Antiga, havia uma prática chamada de Prostituição Sagrada, que acontecia nos templos e santuários dedicados a Afrodite. Essa prática consistia em mulheres comuns e sacerdotisas oferecerem sexo a quem lhes procurassem, nos templos e santuários, em troca de pagamento. E esse pagamento seria oferecido ao templo como uma oferenda a Afrodite. Mas há muitas divergências entre os autores e pesquisadores desse tema.
Para os autores que acreditam na existência da prostituição sagrada, faz todo o sentido essa prática como uma forma de magia simpatética, onde semelhante atrai semelhante. E por isso as sacerdotisas faziam sexo com quem as procurasse a fim de abençoá-los com a fertilidade, para eles mesmos, para sua mulher, seu gado ou sua colheita.
Há também quem simplesmente aceite como evidência, os relatos de Heródoto, por exemplo. Sem levar em consideração o preconceito que existia com os povos bárbaros, sobretudo com as mulheres e o questionamento sobre a veracidade dos fatos narrados por ele, por parte da comunidade acadêmica, como por exemplo: Lima (2003), Vrissimtzis(2002) e Peters e Cerqueira (2013). Vale ressaltar que Heródoto narra práticas de prostituição sagrada que eram feitas pelas mulheres babilônias e em momento nenhum cita a presença dessas mesmas práticas na Grécia. Mas é citado como fonte em trabalhos que falam sobre a Grécia ou sobre o culto a Afrodite.

Malibu, Museu J. Paul Getty 86.AE.680
Não podemos esquecer também o fato de que muitos escritores que acreditam na existência da prostituição sagrada analisaram os relatos e evidências históricas a partir de um viés cristão e de idéias pré-concebidas desses povos, ditos pagãos (Batista, 2011).
Mas também há pesquisadores que questionam a existência da prostituição sagrada tanto nesse formato relatado por Heródoto como também no formato de sexo ritualístico como é o caso de Budin, 2008. Nesse caso, apenas o rei (nesse caso, o rei sumério) tem relação sexual com a sacerdotisa que encarna a deusa, se tornando assim o “marido” da deusa. Há versões em que o hierofante (no caso da Grécia) toma esse lugar do rei e pratica o sexo ritualístico ou apenas encena uma relação sexual durante a celebração do rito de fertilidade.
Nesse ponto, acho interessante fazer uma pequena reflexão sobre esse assunto e o cenário em que ele esteve inserido. Sabemos que a Grécia Antiga era uma sociedade bastante licenciosa, pelo menos para os homens. E que a mulher tinha um papel de submissão em relação ao pai e depois ao marido e seu dever era de o de procriar. E chamar a atenção para o fato de que há relatos de sexo ritualístico (independente do tipo) em ritos que envolvem Dionísio, Deméter e Afrodite. Mas apenas à Afrodite, relacionam o termo “prostituição sagrada”.
Vejo isso como mais uma forma de apagamento do poder da Grande Deusa, que foi diminuída, separada e colocada em “caixinhas”, e também uma forma de educar as mulheres para que elas se encaixassem no papel de mélissa, a mulher ideal ateniense. Então, independente de ser verdadeiro ou não, o sexo ritualístico realizado nos festivais dionisíacos, apesar de serem orgias, não levam o termo pejorativo de prostituição (levando em consideração a utilização desse termo nos tempos atuais e sua carga pejorativa), nem o hiéro gamos que acontece nos Mistérios de Elêusis, entre Deméter e o hierofante, que também não é associado à prostituição. Ou seja o homem que faz sexo por prazer é normal e incentivado, a mulher que faz sexo para procriação está cumprindo o seu papel social mas a mulher que faz sexo por prazer e que com ele é capaz de adquirir sua liberdade financeira, essa deve ser reprimida, veementemente.

Agora, continuando com o tema, falaremos dos autores que questionam a existência da prostituição sagrada.
A partir da década de 1980, alguns autores, utilizando as fontes já conhecidas e utilizando outras fontes vem questionando essa idéia (Batista, 2011). Para Gerda Lerner, a prostituição sagrada nunca existiu. Sobre o relato de Heródoto, Lerner diz que o historiador grego pode ter confundido o ritual anual no templo da deusa Milita (a Afrodite dos assírios) e que envolvia todas as mulheres assírias com as atividades das prostitutas, pois estas costumavam circular em volta do templo onde havia grande fluxo de pessoas, portanto, de possíveis clientes.
Para Gonzalo Rubio, a existência da prostituição sagrada vem da má interpretação das fontes utilizadas em trabalhos sobre prostituição sagrada, nesse caso a bíblia hebraica.
Stephanie Lynn Budin, diz que essa idéia surge de construções literárias baseadas nos relatos de Heródoto e da Bíblia hebraica, e destaca que não há nenhuma referência a essa prática nas fontes do Crescente Fértil. Budin também analisa fontes orientais, como listas de funcionários dos templos e leis.
Rubio e Budin defendem a existência de importantes sacerdotisas nos ritos de fertilidade, porém questionam se realmente existiu algum tipo de prática sexual nos cultos de fertilidade.
Encerro este tema com as palavras de Batista (2011): “Podemos perceber que esse tema gera muitos questionamentos e divergência entre os autores. Os autores mais recentes trazem discussões interessantes, porém, em alguns aspectos as pesquisas ainda deixam várias lacunas, talvez por que se trata de um tema do qual existam muitas referências e poucas evidências diretas.”
E a ideia que hoje é aceita pela academia é a da prostituição sagrada como inexistente.
Atiye Vivá
Fontes:
BUDIN, Stephanie Lynn. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge University Press, 2008
LERNER, Gerda. The Origin of Prostitution in Ancient Mesopotamia. The University of Chicago Press: Signs, Vol. 11, No. 2, 1986
RUBIO, Gonzalo. ¿Vírgenes o Meretrices? La prostitución sagrada en el Oriente antiguo. Gerión, Madrid, n°17. 1999. Disponível em: http://www.ucm.es/BUCM/revistas/ghi/02130181/articulos/GERI99991 10129A.PDF Data de acesso: 02/04/2024.
BATISTA, Keila Fernandes. O Debate Historiográfico Acerca da Ideia da “Prostituição Sagrada” no Antigo crescente Fértil. Revista Vernáculo, nº 28, 2º sem/2011. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/download/33365/21296. PDF Data de acesso: 01/04/2024
PETERS,Eduarda Tavares; CERQUEIRA,Fábio. Mulheres em Atenas,no Século IV: O testemunho do Contra Neera,de Demóstenes. Nearco: revista eletronica de antiguidade. – Vol. 1, Ano VI, n.2 (2013) – Rio de Janeiro:UERJ/NEA, 2013 – v.12 : il. Disponível em: http://www.neauerj.com/Nearco/arquivos/numero12/revista_completa.pdf Data de acesso: 05/04/2024.
LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira. O ritual de prostituição sagrada e a economia em Corinto Arcaica. Revista PHOINIX, RIO DE JANEIRO, 9: 15-24, 2003.
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, sexo e casamento na Grécia Antiga. Ed. Odysseus. 2002.